* Por Nélson Alves
Para início de conversa, é salutar informar que na história do Brasil, a imputabilidade penal já foi de 9 anos, ou seja, a história da redução da maioridade penal já vem de longas datas, ou seja, nada tem de novo.
Quando lançado no Brasil, em 1603 com a publicação do Livro V das Ordenações Filipinas em seu título 135, o Direito Penal fixava a idade em 17 anos para a imputabilidade penal. Com a promulgação da primeira Constituição Brasileira, (1830) entrou em vigor o Código Criminal do Império, que reduziu a maioridade penal para 14 anos. Já o Código Penal Republicano, de 1890, adotado dois anos após a Abolição da Escravatura e um ano antes da primeira Constituição da República, estabelecia a maioridade penal aos nove anos que vigorou por quatro décadas e somente foi revogado em 1932, com a aprovação das Leis Penais, que retornou com a idade para 14 anos. Todavia, foi com a Reforma Penal empreendida pelo Estado Novo, em 1940, que a idade de 18 anos foi fixada, estando em vigor até os dias atuais. Esta norma tornou-se Constitucional, conforme disposição no Artigo 228 da Constituição Federal de 1988.
Esse interregno é essencial para o tema a que este artigo propõe, haja vista que em certos momentos vem a tona a discussão sobre a redução da maioridade penal com vista a redução da violência no país. É, jus citar que o presente tema está sendo abordado em momento em que felizmente nenhum crime bárbaro ocorre, repercutindo nacionalmente. Como sempre acontece, aproveitar de uma barbárie para enfocar o assunto, é modismo como muitos fazem e não é essa a intenção. Apenas trazer a tona com cunho informativo sem a pretensão de criar soluções caseiras, pois não cabe-nos ser o paladino da justiça como muitos o tentam ser.
Um dos últimos casos de grande repercussão, estardalhaço na mídia, foi o crime Friedenbach em 2003. Foram dias e dias de programas de TV abordando o assunto com altas “celebridades” até mesmo chorando ao vivo, com vistas a uma mobilização, através da comoção nacional para a redução da maioridade para 16 anos.
Atualmente existem no Congresso, dois projetos, tendo inclusive um sugerindo a idade penal para 13 anos quando houver crimes hediondos. O PEC-Projeto de Emenda Constitucional já se encontra no Congresso há 11 anos e nunca foi votado.
Ironizando a questão, o doutor em Ciências Políticas da USP, Túlio Kahn, coordenador do Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente, disse em certo momento “não parece estar longe o dia em que algum parlamentar preocupado com a delinqüência juvenil proporá a internação imediata de todos os recém-nascidos de famílias pobres, cuja soltura ficará condicionada ao exame de suas características psicossociais”. Para ele, a argumentação que a redução, adotada no mundo inteiro como forma de evitar que os menores sejam usados para acobertar o tráfico, é precária e empiricamente falsa.
A pesquisa Crime Trends (Tendência ao Crime) realizada a cada quatro anos revela que é a minoria dos países que define o adulto como pessoa maior de 18 anos, e a maior parte destes, é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens. Dos 57 pesquisados, apenas 17% adotam a idade menor de 18. Com exceção dos EUA e Inglaterra que têm assegurado as condições mínimas de saúde, alimentação e educação, os demais como Marrocos, Nicarágua, Haiti, entre os demais são considerados pela ONU como países de médio ou baixo IDH, o que torna a punição dos jovens ainda mais problemática. Logo, não há como argumentar que a sociedade deu a seus jovens o mínimo necessário, e com base nesse pressuposto, responsabilizar individualmente os que transgridem a lei.
Dados da Crime Trends revelam que o problema da delinqüência no Brasil não é mais grave do que nos países pesquisados pela ONU. Na Média, os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil, a participação de jovens na criminalidade é de 10%. O que ocorre no Brasil, antagonicamente dos outros países, é que em casos que envolvam menores, a mídia faz um estardalhaço generalizando uma questão que não corresponde a realidade. Bem verdade que há mais crimes cometidos contra jovens que o inverso como alguns preferem divulgar.
Os mais sensatos, quando abordam esse tema, sabem que é uma questão polêmica do ponto de vista sociológico, haja vista ser inquestionável que os adolescentes de hoje não são mais os mesmos menores de 18 anos da década de 40. “A redução da idade penal para 16 anos é decorrência lógica da evolução das relações sociais neste início de século 21 e da maturidade precoce que esses jovens adquiriram”, cita um promotor de Justiça de São Paulo, rechaçando que esse tema não pode apenas ser levantado em momentos de crimes com notória comoção nacional, e que as justificativas elencadas de tempos em tempos não devem ser levadas em consideração, pois o tema é mais complexo do que parece. Exemplificando, há de convir que no tocante ao tráfico - onde se recrutam milhares de jovens de 16 para o serviço do crime, inclusive dispostos a matar pelo dinheiro farto, pelo poder dentro das comunidades carentes e pelo destaque que essa situação deturpada lhes confere - baixando a maioridade para 16 anos, significa dizer que cada vez mais teremos jovens menores no serviço; logo, se reduzir para 16, serão recrutados de 15; se reduzir para 10, no dia seguinte serão aliciados crianças com 9, e assim por diante, por mais que essa situação nos pareça incabível.
Vale citar que no Brasil, já se falou em pena de morte, prisão perpétua junto com a redução do limite de idade para a responsabilidade penal, mas nada disso adianta se o governo não aumentar a eficiência da Polícia, fazer as reformas necessárias e melhorar as condições do sistema prisional que tem se mostrado ineficiente. E para concluir, vale citar a declaração da procuradora-geral da União, Anne Elizabeth Nunes, durante a 1ª Conferência de Defensoria Pública e Direitos Humanos: “não existe sequer a recuperação do menor infrator; diminuir a idade não vai solucionar”, repudiando a proposta de redução da maioridade penal. E como adendo, vale a máxima: “a alteração da lei não trará consigo o condão de mudar os comportamentos”.
Em tempo:
- Segundo dados do Jornal Folha de São Paulo, 87,9% dos brasileiros são favoráveis a redução da idade penal para 16 anos.
- O Projeto de Emenda Constitucional-PEC que propõe a redução da maioridade tramita há 11 anos no Congresso e a ele já foram anexadas mais de uma dúzia de projetos de Lei de 14 deputados diferentes.
- O Estatuto da Criança e Adolescente-ECA prevê seis tipos de medidas socioeducativas para os adolescente infratores: advertência, obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação (implica na perda real da liberdade durante três anos, em centros de internamento para adolescentes)
- 90% dos jovens infratores que cumprem pena são assassinados quando saem da Febem.
Base de pesquisa: Revista Transformação, editada pela Organização Visão Mundial em setembro/2004)
Este artigo foi publicado em vários jornais da região em 25 de janeiro de 2005
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